A Revolução científica (Sapiens: História Breve da Humanidade - resumo do capítulo 14)



 Sapiens: Breve História da Humanidade. (capítulo 14- a descoberta da ignorância), de Yuval Noah Harari. Eis um breve resumo do capítulo que trata de explicar o que causou a Revolução científica e porque é que política, economia e ciência estão intimamente ligadas.


Os últimos 500 anos testemunharam um crescimento fenomenal e sem precedentes do poder humano. Em 1500, havia cerca de 500 milhões de Homo sapiens em todo o mundo. Hoje há sete mil milhões. O valor total estimado de bens e serviços produzidos pela humanidade em 1500 está estimado em 250 mil milhões de dólares, em moeda atual. Hoje em dia […] chega perto de 60 triliões de dólares. Em 1500, a humanidade consumia cerca de 13 biliões de calorias por dia. Hoje consome 1500 mil biliões. (a população humana aumentou 14 vezes, a produção, 240 e o consumo de energia, 115 vezes) ”. 


Yuval Noah Harari


Descoberta da ignorância




Antes de 1522, nenhum ser humano tinha circum-navegado a Terra, até Fernão de Magalhães e a sua expedição realizarem uma volta ao mundo de 72 000 km. Júlio Verne imaginava que um aventureiro conseguiria realizar uma volta ao mundo em 80 dias. Hoje, qualquer pessoa de rendimento médio consegue fazer a volta ao mundo em apenas 48 horas!

Em 1674, o olho humano viu um micro-organismo pela primeira vez, quando Anton van Leeuwenhoek, através de um microscópio, observou toda a quantidade de criaturas minúsculas que se movem numa simples gota de água. Nas décadas seguintes foram descobertas várias espécies destes micro-organismos. Conseguimos identificar várias doenças mortíferas provocadas por eles e erradicá-las.




Anton van Leeuwenhoek
                                                             



Em 1945, cientistas norte-americanos viram explodir a primeira bomba atómica no Novo México. A partir daí tinham a possibilidade de mudar o curso da história e de lhe pôr um fim.


Primeiro teste de bomba atómica no Novo México, EUA (1945)


Em 1969, os seres humanos pousaram na Lua. Nunca nenhum outro organismo tinha deixado a atmosfera terrestre.


Este processo chama-se Revolução científica. Revolução pois até aí os seres humanos duvidavam das suas capacidades de obter novas aptidões médicas militares e económicas. Governos e outros patronos alocavam verbas para a educação e erudição, mas os objetivos eram preservar as capacidades existentes e não adquirir novos conhecimentos:


“O típico governante pré-moderno dava dinheiro a sacerdotes, filósofos e poetas, na esperança de que estes legitimassem o seu governo e mantivessem a ordem social. Não esperava que descobrissem novos medicamentos, inventassem novas armas ou estimulassem o crescimento económico”

 

 

Durante os últimos cinco séculos, os seres humanos passaram a acreditar que, investindo em investigação científica poderiam aumentar as suas capacidades. Quanto mais provas empíricas havia dos resultados benéficos da investigação, mais financiamento governos e pessoas ricas atribuíam à ciência.




Mas de onde veio esta crença? O que forjou esta relação entre ciência, política e economia?

A resposta dada por Harari é que na base da Revolução científica está a descoberta da ignorância. Foi a descoberta de que os seres humanos não sabem tudo que impulsionou a investigação científica.

A narrativa do conhecimento anterior à Revolução científica, espalhada pelo cristianismo, islão, budismo e confucionismo era de que a humanidade já conhecia tudo o que havia para conhecer. Os Deuses todo-poderosos e os sábios do passado abarcavam todo o conhecimento, que tinha ficado registado em escrituras sagradas. Se um camponês medieval quisesse adquirir algum tipo de conhecimento só precisava de perguntar ao pároco local. Se quisesse adquirir conhecimento que não tinha sido descoberto, era sinal de que esse conhecimento não era relevante, pois as escrituras não faziam menção a esse conhecimento.




Nessa época, aqueles que espalhavam a mensagem de que não sabíamos tudo, eram perseguidos ou marginalizados. Ou então, davam início a uma nova tradição que dizia que eles próprios sabiam tudo. Um exemplo é Maomé, que acusou os árabes de viverem na ignorância da verdade divina. Em seguida, espalhou a mensagem de que ele era o dono de todo o conhecimento.

Já a ciência dos dias de hoje admite abertamente a ignorância em relação às questões mais importantes. Os biólogos de hoje em dia admitem que ainda não desvendaram o segredo da vida e os físicos admitem que não sabem o que provocou o Big Bang.

 

Saber é poder

Os cientistas presumem, normalmente que nenhuma teoria é 100% certa. Assim, a verdade é um fraco teste para o conhecimento. O verdadeiro teste é se o conhecimento é útil ou não. A teoria que nos permite fazer coisas novas é conhecimento.

A ciência providenciou a humanidade com ferramentas úteis. Algumas são ferramentas mentais que permitem calcular a taxa de mortalidade e o crescimento económico. Mas, as ferramentas mais importantes são as ferramentas tecnológicas. De facto, hoje em dia, a ligação entre ambas é tão forte que as pessoas tendem a confundir as duas.


 



A relação entre ciência e tecnologia é relativamente recente. Até ao século XVII, a ciência e a tecnologia eram campos separados. Foi então que Francis Bacon decidiu unir os dois conceitos num só, o que foi considerada uma ideia revolucionária. A partir de então a relação entre ambas intensificou-se, culminando no século XIX. E mesmo aí, nenhum governante financiava a investigação científica para obter um exército mais eficiente e poderoso. Nem nenhum magnata fazia o mesmo para aumentar os seus lucros.


Francis Bacon, filósofo e cientista inglês (1561-1626)


Ocasionalmente, novas tecnologias eram desenvolvidas, mas por pessoas com baixo nível de instrução, através do método da tentativa e erro e não pela investigação científica. Tome-se por exemplo os fabricantes de carroças. Os modelos das carroças foram evoluindo, mas eram produzidas por carpinteiros que nem sabiam ler.

Em 1961, o presidente norte-americano Dwight Eisenhower chamou à atenção para o crescente poder do complexo industrial militar. Mas Eisenhower esqueceu-se de alertar para o fator científico da equação, porque as guerras de hoje são impulsionadas pela ciência. São os governos das grandes potências que financiam grande parte da investigação científica mundial (nem sempre por bons motivos).


Dwight Eisenhower


Quando a Primeira Guerra Mundial de desenvolveu para uma interminável batalha de trincheiras os governos dos países em guerra apelaram aos cientistas para resolverem o problema. Foi então que dos laboratórios europeus começaram a sair armas maravilhosas: aviões de combate, tanques, submarinos, gás venenoso, metralhadoras e bombas mais eficazes.

Na Segunda Guerra Mundial o papel da ciência foi ainda maior. No final de 1944, a Alemanha estava claramente a perder a guerra. No entanto os alemães continuavam a lutar, em parte porque acreditavam no surgimento de armas milagrosas que se pensava virem alterar o curso do conflito: os mísseis V2 e os aviões a jato. Enquanto isso, os americanos desenvolviam a primeira bomba atómica, através do chamado Projeto Manhattan. Em 1945, a Alemanha já se tinha rendido, mas o Japão continuava a lutar, prometendo fazê-lo até não restar nenhum soldado. Com a sua nova bomba à disposição, o presidente Harry Truman decidiu usá-la contra o Japão. Duas e não uma, acabaram por ser usadas e o Japão rendeu-se incondicionalmente. Saber é poder.




A ciência também pode contribuir para melhores sistemas de defesa. O Departamento de Defesa dos EUA acredita que a solução para o terrorismo não é política. Acredita que basta gastar mais alguns milhões à nanotecnologia e os Estados Unidos poderão enviar moscas espiãs biónicas para todos os esconderijos e grutas da Al-Qaeda e do ISIS.

Mas esta obsessão com tecnologia militar é bastante recente. Até ao século XIX, a maior parte das revoluções militares deu-se devido a alterações organizacionais e não tecnológicas. A maioria dos impérios não se ergueu devido a superioridade tecnológica, nem os soberanos estavam interessados nelas.

O Império Romano é um bom exemplo para ilustrar este ponto de vista. Era o melhor exército do seu tempo, mas não era melhor em termos tecnológicos do que Cartago, Macedónia ou do que o Império Selêucida. A sua superioridade assentava na organização eficiente, disciplina e número de soldados na reserva.


Guerras Púnicas: Cartago vs. Roma


Já se comparamos este exemplo com os tempos modernos as regras alteram-se. O exército de Napoleão, formado por mosqueteiros, cavalaria e canhões leves não teria qualquer hipótese contra um exército com tanques, caças de combate e metralhadoras.

Na China antiga o imperador e os filósofos também não acreditavam no investimento em investigação científica. A invenção militar mais importante da altura foi a pólvora. No entanto, tanto quanto sabemos a pólvora foi inventada por acidente. E ainda assim, a China não se tornou uma potência militar global por ter esta vantagem. Apenas 600 anos depois a pólvora foi usada com fins militares nos campos de batalha. Então, porque foi necessário tanto tempo para que este avanço se concretizasse? Porque surgiu numa ocasião em que nem governantes nem académicos acreditavam que um avanço tecnológico os tornasse mais poderosos. Isso bastava para que não houvesse qualquer incentivo ou investimento para o surgimento de mais avanços científicos.




 

Os Patrocinadores da Ciência

Vivemos numa era tecnológica e científica. Muitos acreditam que a ciência tem a resposta para muitos dos nossos problemas. Mas a ciência não está num nível moral superior a todo o resto da humanidade. Tal como outros aspetos da vida em sociedade, está envolta em interesses políticos, económicos e religiosos.

A ciência é uma atividade muito dispendiosa. Um biólogo que queira estudar o sistema imunitário humano precisa de um laboratório, tubos de ensaio, microscópios avançados, assistentes, eletricistas etc. Um arqueólogo precisa de materiais de escavação, máquinas, assistentes… Tudo isto custa dinheiro.




Durante os últimos 500 anos, a ciência beneficiou muito da ajuda financeira de governos, empresas, fundações privadas e outros para promover o avanço científico. Se não tivesse havido verba para investigação geográfico, zoológica e botânica, provavelmente Darwin não teria nenhuma prova empírica na qual basear a sua teoria do Evolucionismo. Poder-se-á pensar que este fornecimento de verba é puramente altruísta, mas por detrás dele está, muitas vezes, um objetivo político ou económico.

Por exemplo, no século XVI, reis e banqueiros forneceram muitos recursos para incentivar a exploração geográfica por todo o mundo. Isto porque pressupunham que esse conhecimento lhes traria novas terras para dominar ou para criar uma nova rede comercial. Nos anos 40, Estados Unidos e União Soviética canalizaram imensos recursos para a pesquisa nuclear, o que lhes permitiria desenvolver armas nucleares e, por conseguinte, conseguirem ganhar guerras mais facilmente.




Pode-se dizer que embora sejam os cientistas que trabalham diretamente no desenvolvimento de novos conhecimentos, raramente são eles que ditam o curso da ciência. Mesmo que se quisesse financiar uma ciência pura, livre de interesses económicos ou políticos, isso talvez fosse impossível. Afinal de contas os recursos são limitados e por isso temos de perguntar: O que é que é prioritário? Estas não são questões científicas. A ciência procura apenas conhecer o que existe no mundo, não pretende dizer com o deverá ser o futuro. Apenas religiões e ideologias procuram essas respostas.




Imagine-se dois cientistas e uma verba disponível de um milhão de euros. Um quer estudar uma doença infecciosa que afeta os úberes das vacas, provocando uma queda de 10% na produção de leite. O outro que descobrir se as vacas sofrem problemas mentais quando são separadas das crias. Se for impossível financiar ambos os projetos, qual é que se deve apoiar? Não existe uma resposta da ciência para isto, apenas uma resposta económica ou política ou religiosa.

No mundo atual, o primeiro cientista tem mais hipóteses de receber o financiamento, não porque a sua pesquisa seja cientificamente mais importante do que analisar problemas mentais das vacas, mas porque a indústria leiteira iria beneficiar com isso.




Por exemplo, de um ponto de vista meramente cientifico, não é claro o que se deve fazer com um crescente entendimento da genética. Deveremos utilizá-lo para curar o cancro, desenvolver uma raça de super-humanos ou criar vacas leiteiras com úberes gigantes? Um governo liberal um governo comunista, um governo nazi e uma empresa utilizariam a mesma descoberta para alcançar objetivos completamente distintos, sem que exista uma razão científica para preferir uma em vez das outras.


“Em suma, a investigação científica só pode florescer quando aliada a uma religião ou ideologia. A ideologia justifica os custos da investigação. Em troca, a ideologia influencia a agenda científica e determina o que fazer com as suas descobertas. Como tal, para compreender como a humanidade chegou […] à Lua- e não a outros quaisquer destinos alternativos-, não basta estudar os avanços dos físicos, biólogos ou sociólogos. Temos de ter em conta as forças ideológicas, políticas e económicas que enformaram a física, a biologia e a sociologia, empurrando-as em determinadas direções, ao mesmo tempo que negligenciavam outras.”

 

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