Os planos de Putin para dominar Europa (2020)

As recentes jogadas geopolíticas de Moscovo têm feito cerco a uma Europa cada vez mais frágil, aparentemente sem vontade de fazer frente a Vladimir Putin. Neste artigo, pretendo abordá-las com algum detalhe juntamente com as causas económicas, sociais e políticas que levaram ao enfraquecimento europeu em relação à Rússia.

A dependência energética


Atualmente, a Rússia é responsável por cerca de 20% da produção e exportação de gás natural mundial das quais 70% representam importações da União Europeia. No entanto, apenas cerca de 38% do gás importado para a Europa é gás russo. A partir destes valores seria normal concluir que a russia é muito mais dependente da Europa na mercado de gás natural do que ao contrário. No entanto, não é este facto que é aproveitado pela Rússia para aumentar o seu poder sobre a Europa.



Origens do gás natural importado pela União Europeia (2017). A Rússia é o maior fornecedor representando 38,7% das importação da UE. Fonte: PÚBLICO

Na verdade, cerca de 80% do gás russo é importado pela UE através do gasoduto Druzhba que atravessa a Ucrânia e os restantes 20% pelo gasoduto Yamal que passa pela Bielorrússia e pela Polónia. Neste sentido, para reduzir a dependência destes países que são hostis aos seus interesses, Moscovo decidiu construir novos gasodutos que contornem estes países. Assim, a Rússia consegue assegurar as suas exportações para a Europa, ao mesmo tempo que retira capacidade negocial à Polónia, Ucrânia e Bielorrússia com Moscovo.

Portanto, foram construídas duas novas vias submarinas: o Nord Stream (conjunto de dois gasodutos Nord Stream 1 e 2) que atravessam o Mar Báltico desde a Rússia até à Alemanha; e uma via pelo sul, o TurkStream, que atravessa o Mar Negro, chega à Turquia, e depois segue para o resto da Europa.



Nord Stream


TurkStream
O Nord Stream tem uma especial capacidade de dividir a União Europeia (são essas as intenções de Putin). Enquanto a Alemanha ganha fornecimento de gás russo a preços mais baratos e, por isso, apoia o projeto, os outros membros da União são contra a decisão alegando uma maior dependência em relação à Rússia e uma decisão egoísta por parte da Alemanha. Apesar disso, a estratégia adoptada pela Rússia pode não resultar a seu favor no longo prazo, uma vez que as suas exportações estão demasiado dependentes dos combustíveis fósseis.

Financiamento de partidos europeus pró-rússia

Em 2015, o Chipre concordou em dar à Rússia acesso aos seus portos como contrapartida pela ajuda financeira que recebeu de Moscovo, no valor de 2,5 mil milhões de €.

Em França, a líder do partido nacionalista Frente Nacional, Marine LePen, recebeu financiamento de um banco sediado em Moscovo com ligações ao governo russo no valor de quase 10 milhões de €. Em 2016, voltou a pedir financiamento à Rússia mas, desta vez, no valor de 27 milhões de €, preparando-se para as presidenciais que se realizariam em maio do ano seguinte. A Frente Nacional está alinhada com a Rússia em alguns aspetos como a anexação da Crimeia e o sentimento anti-UE.


Além deste exemplo, existem outros partidos europeus pró-Putin e anti-UE: AfD (Alemanha), FPÖ (Áustria), Aurora Dourada (Grécia), Jobikk (Hungria), Liga Nórdica (Itália), o UKIP (Reino Unido). Na extrema-esquerda,  Die Linke (Alemanha),  Podemos (Espanha), and Syriza (Grécia).


Putin e a líder da Frente Nacional Manine LePen, em Moscovo (2017)
Assim, Putin ataca as instituições europeias a partir de dentro e incentiva os países europeus à desunião e ao isolamento, o que faz com que a Rússia ganhe hegemonia na Europa.

Um cerco à Europa


A Rússia tem aumentado o seu contingente militar em pontos estratégicos à volta da Europa como, por exemplo, no Mar Báltico, no Mar Negro (o que explica porque a Rússia invadiu a Crimeia) e no Mar Mediterrâneo, como se viu pelos acordos com o Chipre. Por terra, Moscovo tem infraestruturas militares na Bielorrússia e demonstrou que não tem qualquer constrangimento quanto a invadir territórios de outros países, como foi o caso da Crimeia, mas também a Ossétia do Sul, na Geórgia e a parte oriental da Ucrânia. Além disso, também tem posições militares na Moldávia.

A Rússia também desenvolveu parcerias com a Turquia, convencendo-a a comprar armamento russo e, por isso, os turcos tornar-se um aliado dos EUA cada vez menos fiável. No Ártico, aprimorou 7 bases militares que aí possuía, o que é uma posição bastante estratégica, uma vez que essa é uma das principais vias de comércio entre a Europa e a Ásia.



Base militar russa no Ártico


Além disso, a Rússia tem algum controlo sobre os fluxos de migrantes do Norte de África e da Síria para a Europa. Isto explica-se pelo facto de que a Rússia é um dos principais intervenientes tanto na Guerra da Líbia, como na Guerra da Síria. Um dos países que controla o fluxo de migrantes sírios para a Europa é a Turquia que, neste momento, está mais alinhada com Moscovo.



Principais fluxos de refugiados para a Europa. Como podemos observar, os dois maiores fluxos vêm da Turquia e da Líbia








Concluindo, Putin tem cada vez mais factores de pressão sobre a Europa: através da dependência energética e da divisão de opiniões sobre o tema dentro da UE; através do financiamento de partidos europeus que sejam anti-UE; ou através do controlo dos fluxos de refugiados. Seja de que forma for, a Rússia quer reganhar a posição relativamente influente que tinha sobre a Europa no período da Guerra Fria. Todo este processo ficou mais facilitado pela posição menos intervencionista dos EUA nos cenário mundial adoptada pela administração Trump.


Será que essa seria a justificativa para a suposta intervenção russa nas eleições norte-americanas de 2016?


FIM


João Vidal


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3 Comentários

  1. Artigo muito completo e com imagens esclarecedoras!

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  2. Muito bem.Serve de alerta aos mais distraídos.um abraço.

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  3. Excelente análise da estratégia geopolítica e economia do Putin frente à Europa.

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